Organizações recorrem para Supremo após rejeição de caso contra Estado por inação climática

por Lusa

As três organizações que processaram o Estado Português por incumprimento da Lei de Bases do Clima criticaram hoje a rejeição da ação popular e a maneira como o processo decorreu, e anunciaram o recurso para o Supremo.

Em comunicado conjunto, a associação Último Recurso, a Quercus e a organização não-governamental (ONG) Sciaena anunciaram o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, após a rejeição pelo Tribunal Cível de Lisboa, e "admitem ir até ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos" (TEDH).

A primeira ação de litigância climática em Portugal segue para o Supremo para assegurar que o Governo "cumpre os compromissos adotados na Lei de Bases do Clima".

A lei de bases foi aprovada há dois anos, mas em novembro de 2023 as três organizações processaram o Estado Português alegando o seu incumprimento. O programa do Governo que entrou em funções há semana admite que "muito ficou por cumprir".

Os autores da ação popular criticaram a maneira como o processo foi conduzido: "Após mais de quatro meses sem resposta sobre esta ação popular, foi apresentada, na semana passada, uma queixa no Conselho Superior de Magistratura contra a juíza do Tribunal Cível de Lisboa" e depois de noticiada a queixa -- pelo semanário Expresso -- "a juíza emitiu a sentença e recusou a petição".

"Desde que a ação foi apresentada, e enquanto a juíza não se pronunciou sobre ela, Portugal continuou a sofrer os efeitos das alterações climáticas, como a seca no Algarve e temperaturas extremas ou mais elevadas do normal para esta época do ano", lamentaram as organizações.

A presidente da associação Último Recurso, Mariana Gomes, rejeitou que a petição inicial seja "abstrata, genérica e obscura", como alegou a juíza, e refutou que "inclui, ponto por ponto", tudo o que engloba a Lei de Bases do Clima, e respetivos prazos que estão por cumprir.

As três organizações elencaram parte do que está por fazer, dois anos depois, nomeadamente a implementação de um "orçamento de carbono, um portal de ação climática, um plano nacional de energia e clima e planos setoriais para a mitigação" de um problema que já tem repercussões em Portugal.

Incumprir com a legislação é "especialmente condenável na sequência de temperaturas extremas e outros danos sem precedentes ocorridos no país", acrescentaram as organizações que processaram o Estado.

O advogado Ricardo Sá Fernandes criticou a decisão de indeferir liminarmente a ação "porque o pedido formulado seria ininteligível, o que é avaliado em dois parágrafos".

"Assim sendo, é difícil de aceitar que o tribunal tenha demorado quatro meses a decidir", acrescentou o advogado, endurecendo as críticas à magistrada, que na sua opinião, revelou "uma insensibilidade jurídica e uma precipitação que chocam", contrastando com o que o TEDH decidiu no início da semana passada em Estrasburgo (França), em particular o processo das `avós pelo clima`.

Mariana Gomes considerou que o processo das cidadãs seniores suíças "é muito parecido" com esta ação popular e considerou que haver uma Lei de Bases do Clima em Portugal é um elemento positivo extra: "O caso das `avós pelo clima` não tinha uma lei em concreto, era um pedido até mais abstrato".

Caso os tribunais portugueses "não sejam competentes para julgar esta questão", as três organizações admitem levá-lo a Estrasburgo para que o TEDH possa pronunciar-se, depois de abrir um precedente histórico com três ações, uma delas de seis jovens portugueses, que pediam que a concretização das promessas feitas na luta contra as alterações climáticas.

Na decisão, o TEDH considerou, por exemplo, que o caso português não esgotou todas as instâncias portuguesas antes de seguir para o tribunal europeu, algo que não se verifica na ação contra o Estado Português.

Já quanto ao processo das `avós pelo clima`, o TEDH reconheceu que houve violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente o Artigo 8.º, sobre o respeito pela vida privada e familiar.

O tribunal considerou que não houve respeito pela vida privada e familiar, motivado pelas alterações climáticas, e também uma violação do direito de acesso a tribunais, considerando, por essas razões, que a Suíça falhou com as suas obrigações ao abrigo da Convenção.

Assim, a deliberação de três processos por inação climática contra vários países pelo TEDH é uma decisão histórica e abriu um precedente para ações deste tipo no futuro.

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